"Livre-se do Armário Digital"
por Greta Lopes
ilustração de Guilhermina Augusti
12.set.2024 às 14h50
Livre-se do armário digital
O avanço do conservadorismo nas redes sociais gerou um impacto profundo no processo de transição de gênero. Embora a internet ofereça espaços de visibilidade e conexão para pessoas trans, ela também se torna uma armadilha quando algoritmos conservadores filtram e limitam a liberdade de expressão do gênero. A promessa de que "você é dona da sua identidade" nas redes é ilusória. O algoritmo, muitas vezes, é como um “guardião invisível”, privilegiando conteúdos normativos e marginalizando expressões que fogem ao padrão. Assim, para muitas pessoas trans, as redes não são o espaço de liberação que parecem ser.
Estudos recentes apontam que o conteúdo com viés conservador tem maior engajamento e circulação nas redes sociais. Postagens com mensagens de cunho conservador ou extremista têm mais chances de se espalharem rapidamente em plataformas como Facebook e Instagram, o que pode limitar a visibilidade de narrativas e vivências que desafiam normas tradicionais, como as questões de identidade de gênero.
Ao postar uma foto, o que garante que o reflexo que vemos nas curtidas ou nos comentários é realmente "nós mesmos"? A resposta é preocupante: muitas vezes, a identidade ali refletida é moldada pelas engrenagens invisíveis do algoritmo, que prioriza o que é socialmente aceitável. Nesse cenário, até mesmo o processo de “sair do armário” pode ser silenciado ou moldado por essas forças. A liberdade prometida pela internet se transforma em uma nova caixa, controlada por parâmetros de uso acessível e programadas.
Ser uma pessoa trans no offline talvez apresente uma perspectiva mais libertadora. O corpo e a subjetividade são construídos na interação humana e não estão presos à critérios de popularidade. No ambiente digital, muitas vezes, nos tornamos "trans conservadoras", presas à ideia de que existe uma essência fixa do ser, uma imagem ideal que precisa ser validada. Mas a teoria de gênero ensina que o "ser" é fluido, uma consequência das performances diárias, e não uma essência imutável. Paradoxalmente, a liberdade oferecida pela internet muitas vezes aprisiona na busca de facilidades e validação.
Para transgredir essa rigidez imposta pelas redes, é necessário cultivar espaços offline, onde a transição de gênero possa ser vivida sem a interferência de algoritmos que ditam o que é "aceitável". O verdadeiro exercício de liberdade de gênero pode estar fora do armário digital, cuja essência não é uma construção algorítmica, mas uma performance viva, autônoma e em constante transformação. A saída é reconstruir relações humanas que não dependem das redes sociais para existir.